Alguma coisa sobre literatura e arte.

As cinco mulheres de todo homem

segunda-feira, 21 de setembro de 2009 em 5:17:00 AM

Texto muito bom retirado daqui: Hipopocaranga 

Uma viagem etílico-filosófica sobre a presença feminina na vida dos homens.

Paulo Rebêlo // agosto.2002

Outro dia pude comprovar mais uma irredutível prova da burrice masculina. Sentado à mesa no bar do Carranca – aqui do lado de casa e um dos poucos que ainda descolam uma pendura – um colega chamado Ambrósio (nome fictício) puxou a carteira e tirou um pedaço de papel. Desdobrou-o e notei que era quase uma folha inteira, com uma lista de nomes escritos em letra miúda e com observações esmiuçadas. Tipo uma planilha. Era a lista de todas as mulheres que o Ambrósio já, digamos assim, teve algum tipo de relacionamento. Relacionamento puramente carnal, há de se explicar.

Durante minutos, o Super Ranzinza que vos escreve quase cai da cadeira de tanto zoar, mas o momento hilário não durou o
suficiente para conter aquela ponta de desafio: olhar a lista e dar uma sacudida cerebral para tentar recordar, desde os tempos áureos (era pré-ranzinza mesozóica), se o conta-giros tinha condições de concorrer com o A4 do Ambrósio.

Ao menos o Ambrósio foi ético. Não colocou o sobrenome das pobrecoitadas, apenas o primeiro nome ou apelido, junto a uma observação rápida – para que ele pudesse lembrar exatamente quem era quem e, claro, contar aos amigos de bar.

Quando o assunto é mulher, homem geralmente é tão burro que não pára um pouco para pensar que qualquer lista do gênero não tem certificação digital ou registro em cartório. Ou seja, oficialmente não vale nada, pode ter sido forjada e, como não tem sobrenome – para a gente procurar na lista telefônica e ligar para conferir – fica ainda mais fácil inventar e sair escrevendo qualquer coisa. E claro que o Super Ranzinza não usou esses argumentos como desculpa para não tentar comparar o conta-giros com a folha A4, ciente de que perderia feio.

Mas sabe como é, em mesa de bar tudo é verdade. E como todo assunto no botequim tem validade de uns quinze minutos, antes que outro totalmente diferente venha à tona, o tema “lista perereca”, como o Ambrósio gosta de chamar o pedaço de papel, perdeu a graça.

Foi quando o Carranca se aproximou. Com aquele olhar típico de “ah, essa juventude boêmia…”, o garçom mais feio da cidade sentou-se à mesa e iniciou o momento de reflexão zen-bundista. E quando o Carranca fala, todos põem o copo na mesa para ouvir. Afinal, são 70 anos de experiência entre o mundo feminino e o mundo boêmio – só de garçom, podem colocar uns 50 anos de praça.

Para os empulhados que vivem levando foras e mais foras do mulherio, o Carranca é para nós o que o Mestre dos Magos era para a turma da Caverna do Dragão: sempre a sábia palavra. Horas e garrafas depois, chegou-se a uma conclusão aterrorizante. Daquelas que no dia seguinte, ninguém quer lembrar. Daquelas que até o Carranca estrilou: a “lista perereca” do Ambrósio não vale nada.

O fato é que não importa quantas pererecas tenham pulado na fazenda, mas na vida de um homem só existem ou existiram cinco mulheres que fazem toda a diferença:

1 – A mulher que você mais amou na vida, e em alguns casos continua amando até hoje e tem vergonha de admitir, mas que casou com outro e/ou lhe deu um chute na bunda e não quer nem saber que você existe;

2 – A mulher que você teve certeza que seria a pessoa perfeita para o resto de sua vida, com aquelas características que todo homem sonha numa mulher – apaixonada, meiga, engraçada, inteligente, bonita, bom emprego, independente, que faz cafuné quando você chega bêbado em casa, entre outros atributos – mas que por um motivo até hoje inexplicável, você não quis mais saber dela e acabou o relacionamento… para anos depois se arrepender quando descobrir que mudou de sobrenome;

3 – A mulher que foi a melhor de todas na cama, aquela que nunca estava com dor de cabeça, que fez você fazer as maiores loucuras – pense em elevadores, estacionamentos, boates lotadas, banheiros em festas de aniversário dos sobrinhos, casa da sogra e mesa do escritório – mas que você também não conseguiu manter o relacionamento, pois geralmente lembrava da número 1 ou da número 2, e então percebia que a 3 nunca seria igual;

4 – A mulher que de repente apareceu na sua vida e você pôde jurar para si mesmo que ela *seria* a mulher ideal e *faria* você esquecer das outras, pois você conseguiu identificar características da 1 e da 2, mas que simplesmente não conseguiu conquistá-la e/ou ela não viu a menor graça em você – e depois que descobriu suas intenções, tomou doril antes mesmo de saber se ela tinha algo da 3… ;

5 – A mãe dos seus filhos. É a mulher que, na eventualidade de não ser a 1, a 2 ou a 3 na sua vida, por ser a mãe dos seus filhos está acima de qualquer classificação – a não ser na hora de o juiz determinar o pagamento da pensão alimentícia.

E pronto. O resto… ah, o resto! As outras vão e voltam, passam e despassam, mandam e desmandam, choram e riem, gritam e beijam, casam e descasam, e continuam lá, firmes e fortes – às vezes nem tão “firmes” assim- mas todas com a devida importância e os devidos ensinamentos.

Mesmo que essa importância seja, no caso do Ambrósio, mais um nome para a lista. Em todas essas mulheres você sempre irá procurar:

a) preencher o vazio deixado pela 1;
b) reverter o arrependimento deixado pela 2;
c) imaginar que ela tope as loucuras da 3;
d) ter esperança de que um dia ela se transforme na 4, sem o doril;
e) torcer que não vire a 5, porque você é homem (logo, é burro) e ainda sonha com a 1.

A matemática é simples. Ao chegar na letra “e”, outra mulher pode aparecer e aí é só recomeçar o ciclo, da letra “a” até a letra “e” e assim por diante, em loop infinito.

Loop infinito até você encontrar a 6, que será uma espécie de mulher paraquedista-transgênica: caiu do céu e compilou um pouquinho das 1-5. E, diante das circunstâncias (ou da sua idade…) ela poderá ser responsável por fazer com que você se ache um homem realizado, case com ela e seja feliz – até o dia em que a ciência invente uma máquina do tempo para você tentar:

- corrigir os erros cometidos com a 1;
- descobrir o que aconteceu com a 2;
- aproveitar um pouco mais os momentos com a 3;
- mudar as táticas na hora de conhecer a 4;
- nunca conhecer a 5.

Observações finais – esta lista das cinco mulheres não tem registro em cartório, muito menos certificação digital. Não é universal, mas é adaptável a diferentes situações em CNTP. Talvez, possa até mesmo mudar de nome e gênero para: “os cinco homens de toda mulher”.

Da Timidez

quarta-feira, 16 de setembro de 2009 em 3:04:00 AM

Ser um tímido notório é uma contradição. O tímido tem horror a ser notado, quanto mais a ser notório. Se ficou notório por ser tímido, então tem que se explicar. Afinal, que retumbante timidez é essa, que atrai tanta atenção? Se ficou notório apesar de ser tímido, talvez estivesse se enganando junto com os outros e sua timidez seja apenas um estratagema para ser notado. Tão secreto que nem ele sabe. É como no paradoxo psicanalítico, só alguém que se acha muito superior procura o analista para tratar um complexo de inferioridade, porque só ele acha que se sentir inferior é doença.

Todo mundo é tímido, os que parecem mais tímidos são apenas os mais salientes. Defendo a tese de que ninguém é mais tímido do que o extrovertido. O extrovertido faz questão de chamar atenção para sua extroversão, assim ninguém descobre sua timidez. Já no notoriamente tímido a timidez que usa para disfarçar sua extroversão tem o tamanho de um carro alegórico. Daqueles que sempre que-bram na concentração. Segundo minha tese, dentro de cada Elke Maravilha existe um tímido tentando se esconder e dentro de cada tímido existe um exibido gritando "Não me olhem! Não me olhem!" só para chamar a atenção.

O tímido nunca tem a menor dúvida de que, quando entra numa sala, todas as atenções se voltam para ele e para sua timidez espetacular. Se cochicham, é sobre ele. Se riem, é dele. Mentalmente, o tímido nunca entra num lugar. Explode no lugar, mesmo que chegue com a maciez estudada de uma noviça. Para o tímido, não apenas todo mundo mas o próprio destino não pensa em outra coisa a não ser nele e no que pode fazer para embaraçá-lo.

O tímido vive acossado pela catástrofe possível. Vai tropeçar e cair e levar junto a anfitriã. Vai ser acusado do que não fez, vai descobrir que estava com a braguilha aberta o tempo todo. E tem certeza de que cedo ou tarde vai acontecer o que o tímido mais teme, o que tira o seu sono e apavora os seus dias: alguém vai lhe passar a palavra.

O tímido tenta se convencer de que só tem problemas com multidões, mas isto não é vantagem. Para o tímido, duas pessoas são urna multidão. Quando não consegrie escapar e se vê diante de uma platéia, o tímido não pensa nos membros da platéia como indivíduos. Multiplica-os por quatro, pois cada indivíduo tem dois olhos e dois ouvidos. Quatro vias, portanto, para receber suas gafes. Não adianta pedir para a platéia fechar os olhos, ou tapar um olho e um ouvido para cortar o desconforto do tímido pela metade. Nada adianta. O tímido, em suma, é uma pessoa convencida de que é o centro do Universo, e que seu vexame ainda será lembrado quando as estrelas virarem pó.


23/02/95

Luis Fernando Veríssimo

Retirado originalmente deste link. Este por sua vez extraiu do livro "Comédias da Vida Pública, L&PM Editores, pp. 324-325."

Cômodo ou Comodismo

sábado, 5 de setembro de 2009 em 4:02:00 PM

Essa conta como poesia antiga minha, que deveria ter vindo para cá há muito tempo, que eu postei no "Quem sou eu" do Orkut. Mas ao invés disso foi para o Fragmentose, não sei bem porque.

Ter raiva é muito cômodo.
O sentimento de vingança é muito cômodo.
O egoísmo também é muito cômodo.
E o preconceito é muito cômodo.
(Não saber o que é - ou quando
[se tem - preconceito é muito cômodo.)
Não perdoar é muito cômodo.
Mandar alguém se fuder é
cômodississississimo.
Guardar rancor é cômodo.

Evitar tudo isso é braçal.
Não sentir é duríssimo.
Conquistar tais sublimações
[consiste numa nobreza que parece ser inatingível.
É também muito fácil falar, sugerir,
quando se julga, tais
[caminhos, melhores alternativas.
mas tentemos!
Por ser incomum, pouco usual,
Parecido levar prum lugar
[de mais paz do que esse atual.

Data +/-: 13 de novembro de 2007


atualizado em 16 de fevereiro, com uma nova versão...

Ter raiva é muito cômodo.
O sentimento de vingança é muito cômodo.
O egoísmo também é muito cômodo.
E o preconceito é muito cômodo.
(Não saber o que é - ou quando
[se tem - preconceito é muito cômodo.)
Não perdoar é muito cômodo.
Mandar alguém aquele lugar é
cômodississimo.
Guardar rancor é cômodo.


Evitar tudo isso é braçal.
Não sentir é duríssimo!
Conquistar tais sublimações
[consiste numa nobreza que parece ser inatingível.
É também muito fácil falar, sugerir,
quando se julga, tais
[caminhos, melhores alternativas.
Mas tentemos!
Por ser incomum, pouco usual,
Parecido levar prum lugar
[de mais paz do que esse atual.